quinta-feira, 23 de abril de 2009

Para entender o basquete há de se conhecer o Harlem Globetrotters

Leiam matéria publicada no http://playoff.uol.com.br em 28/06/2008 - 18:48

Harlem Globetrotters: o time que mudou o basquete

Por Alexander Vestri

A 1300 km do Harlem, bairro nova-iorquino conhecido pela forte presença de negros, nasceu uma nova forma de jogar basquete. Forma essa que permeou a essência do jogo profissional e ajudou a modalidade a crescer ao redor do mundo, tirando a fama do esporte de ser um jogo engessado pelas regras e sem margem à criatividade.

Misturando números ensaiados e competitividade, os Harlem Globetrotters injetaram doses de streetball no basquete convencional. O time pode ser considerado fundador do estilo que abole regras em nome do exibicionismo e da diversão, ao menos no âmbito profissional, uma vez que o basquete de rua já era praticado em Washington e Nova Iorque desde o início dos anos 1900.

Passes sem olhar, pontes-aéreas, dribles desconcertantes, truques para enganar o adversário - como prender a bola entre as pernas ou escondê-la dentro da camisa: todos esses métodos não hortodoxos para chegar até a cesta eram incorporados à rotina de jogo dos Globetrotters ao som do assobio de “Sweet Georgia Brown”. Algumas dessas jogadas ainda são vistas nas apresentações de times de streetball e, as que não infrigem as regras, enfeitam até mesmo a NBA.

Surgimento - Ex-jogadores da Escola Wendell Phillips, no sul de Chicago, reuniram-se para formar um time e ingressar na Negro American Legion League (Liga da Legião Negra Americana). Essa primeira formação foi denominada Giles Post. O nome foi trocado para Savoy Big Five ao receberem patrocínio de um famoso salão de dança, o Savoy Ballroom, que também servia como quadra para seus jogos em casa.

Descontente com a condição financeira conferida pelo time, Tommy Brookings saiu e levou consigo alguns de seus colegas. Surgiam os Globetrotters, em 1927. Contudo, o nome só cresceu quando o descendente de uma família judia, Abe Saperstein, assumiu a figura de empresário. Três anos mais tarde, o nome do bairro de Manhatan foi agregado para dar ênfase ao fato de ser um time somente de negros: o Harlem Globetrotters.

Os Estados Unidos viviam sua apartheid, e a presença de um agente branco abriu portas para a equipe formada apenas por jogadores negros. Assim, passaram a participar de torneios em locais como Wisconsin e Michigan sob o comando de Saperstein, que também fazia às vezes de técnico.

A parte cômica surgiu quando, em um jogo por uma liga semiprofissional, em 1939, os Globetrotters venciam o oponente por 112 a 5 e começaram com palhaçadas, arrancando gargalhadas da torcida.

Novos talentos – Nos anos 1940, dois jogadores são integrados ao time e promovem uma guinada definitiva no espírito da equipe. Marques Haynes ficou conhecido por sua habillidade em dominar a bola, fazendo-a pingar bem próxima ao solo, de joelhos. Já Reese Goose Tatum era um perfeito showman, que abusava de acrobacias com a bola, passando-a por trás da cabeça do adversário, por entre suas pernas ou fazendo arremessos debochados – que resultavam em impressionantes cestas.

Não é exagero considerar Haynes o pai do crossover. O rei do drible costumava pedir para seus companheiros descansarem, enquanto os cinco oponentes o perseguiam tentando roubar-lhe a bola. Como não havia a regra dos vinte segundos, suas peripécias iam longe. Eventualmente, seu próprio time se juntava à caçada (sem muito empenho, é verdade). Haynes costurava os nove.

Adversário do preconceito - Em 1948, o confronto entre os reis-palhaços – como ficaram conhecidos – e o Minneapolis Lakers ganhou contexto racial. O time de Max Winter, dono da franquia, possuía um elenco apenas de jogadores brancos – entre eles, George Mikan –, ao passo que os Trotters eram formados exclusivamente por atletas negros.

Ao mesmo tempo em que o tapinha inicial era dado no jogo entre Lakers e Globetrotters, o presidente dos EUA, Harry S. Truman, fazia um discurso promovendo uma nova carta de direitos civis para tratar das questões do separatismo e do preconceito racial.

Mikan era o pivô mais dominante da modalidade à época. Ele esteve envolvido no momento de maior tensão da partida, quando disputou um rebote com Haynes, de 1,80m, e os dois foram para o chão. Haynes caiu de costas no chão, e Mikan continuou seguindo a bola com os olhos enquanto Ermer Robinson apontava para o pivô engatinhando e reclamava de falta.

Todos esperavam que um conflito se iniciasse, mas nada aconteceu.

Restando cinco segundos, a partida estava empatada. Robinson pulou com uma perna e completou um gancho para dar a vitória aos Globetrotters por 61 a 59.

Para tirar a teima, uma revanche foi marcada para o ano seguinte, a 28 de fevereiro de 1949. Por 49 a 45, os Globetrotters venceram novamente. Desta vez, o jogo foi registrado em filme pela Movietone News e exibido nos cinemas do país.

Começava a era eletrônica. O longa-metragem intitulado The Harlem Globetrotters foi lançado em 1951. Durante a década de 1970 e 1980, a Corporação Metromedia comprou os direitos de imagem e os Globetrotters passaram a aparecer em programas de televisão, incluindo desenhos animados.

“A NBA nos deve gratidão” – Em 1º de janeiro de 1950, após duas décadas jogando em qualquer superfície – certa vez eles jogaram em uma piscina vazia na cidade de Montana, pois era a única área plana disponível –, eles chegaram à Meca do basquete, o Madison Square Garden, para enfrentar o New York Celtics, da ABL (Liga Americana de Basquete). Foram calculadas 19 mil pessoas presentes no evento. Sete mil não conseguiram ingressos e houve tumulto nas ruas ao redor do Garden.

O jogo fazia parte da rodada dupla programada pela NBA. A partir daí, os Trotters passaram a ser a atração de abertura para os jogos da liga ainda em desenvolvimento. Na verdade, os Trotters vendiam mais que a própria NBA, já que lotavam o ginásio e levavam consigo metade da platéia embora quando saiam de quadra para deixar o campeonato seguir. Anos mais tarde, Frank Washington (que envergou as cores azul, vermelho e branco de 1946 a 1960) afirmou que a NBA devia gratidão aos Trotters, pois a liga não seria o que é atualmente sem eles.